Grito de fé

Grito de fé

O pastor via feliz seu rebanho proliferar, as pessoas envolvidas com suas palavras e a dedicação espiritual plena durante o culto. Cada um chegava no templo com seu problema, inevitável, mas cada vez mais cedo sua homilia tocava o coração dos fiéis. O auge vinha nos clamores da multidão de exorcismo e gratidão.

Obrigado, Senhor! clamava uma senhora sempre na primeira fila. Aleluia, aleluia, aleluia! gritava em sequência um negro lá do meio do salão com perfeita dicção. Oh, Glória! era um dos dizeres mais repetidos. E o pastor adorava, sentia nesse envolvimento emocional da plateia o retorno de toda a sua dedicação. Até que chegou o estranho.

No primeiro dia ele chegou junto com as vozes, como se chamado por elas, e ficou no fundo, calado, observando. Na semana seguinte voltou, chegou cedo, acompanhou todo o culto na última fila. Nas outras manteve a frequência e a participação, gritando alguma coisa sobre o demônio, que repetia três vezes e atraía olhares próximos. Sempre no fundo e cada vez mais bem arrumado.

Ao final de cada culto, boa parte dos fiéis se aglomerava em torno do pastor, queriam sua atenção, uma palavra especial, um conselho para a semana. O estranho saía sem nunca falar com ele, como tantos outros volta e meia, e voltava semanalmente, satisfeito com o que recebia nos cultos.

O pastor ficava feliz com a realização dos cordeiros, mas a do estranho era incômoda. Durante meses, mais de ano, o pastor tentou se aproximar dele, mas não conseguia, não via abertura, e o homem lá, do início ao fim, espantando o demônio e colhendo frutos com isso.

Um dia perdeu a paciência e caminhou em meio aos fiéis durante os clamores. Oh, Glórias! vinham dos lados, Aleluia, Aleluia, Aleluia ecoava do meio, lá da frente ribombava Obrigado, Senhor e do fundo um nítido Olha a pamonha, pamonha, pamonha!

Gustavo Burla

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