O ateu e o deus

O ateu e o deus

Um dia ele se tornou ateu. Era um cara na moda e um pseudo-intelectual, e a moda entre a intelectualidade era ser ateu. Assim, aderiu. Nas rodas colocava a mão no queixo, reflexivo, quando religião era o tópico. Quando alguém, seminarista ou não, mencionava deus, era o primeiro a sugerir um puf de desdém, quase inaudível, um tanto blasé, como bem ensaiou.

Um dia casou-se, ou melhor, juntou-se, como mandava a moda intelectual, e o respeito que tinha fora de casa tinha dentro. Era sempre o ponto final nas conversas ou o comentário genial, a pérola, como diziam os amigos, que mudava todo o rumo da discussão. Tinha um repertório pronto de sacadas e tão logo surgia a deixa, lançava.

Teve um filho e a dor de cabeça que a família proporcionava o deixou batizar a criança e, como os colegas faziam, colocá-lo no catecismo. Coisa dos homens, soltava com a mão no queixo. E assim foi até o dia da primeira comunhão, quando o filho pediu que ele comungasse também.

– Mas o pai não…

– Ô pai… só hoje… por favor…

E ele foi, entrou na fila, viu um por um sair da frente do padre de cabeça baixa, reflexivo, como fizera o filho. Pegou a hóstia com as mãos suadas, colocou-a tremendo na boca, saiu trôpego em direção ao banco e baixou a cabeça, pensativo. E se deus não acreditar em mim? Achou por bem não morder a hóstia.

Gustavo Burla

One Response

  1. aaah! a diferença entre um pseudo-intelectual de moda e o verdadeiro descrente: o último teria mordido sem qualquer remorso. Teria feito até com certo sadismo. Aliás, sequer teria cedido a pressão…

    abçs