Atraso

Atraso

A moça era pontual, o que, numa sociedade como a nossa, está a um passo de ser considerado psicose. Mas ela era. E não se tratava de simplesmente chegar cedo aos lugares, com alguns minutos de antecedência, como ocorre no cinema quando a gente consegue comprar o ingresso, passar pela fila da pipoca e se sentar calmamente na poltrona escolhida a dedo ainda com as luzes acesas e os trailers por começar (o que, na minha modesta visão, é o melhor dos mundos em se tratando de cinema). O fato é que para ela não funcionava assim. O tempo era medido de forma tal que ela chegava aos lugares exatamente no instante em que os relógios viravam a hora marcada, nem um segundo a mais ou a menos. E se, por um erro de cálculo, errasse o time – era raro, mas podia acontecer -, fazia uma horinha na porta de onde quer que fosse entrar para só dar as caras efetivamente no momento triunfal. Coisa de gente, convenhamos, sem nada para fazer.

Foi assim na escola, onde perdia as conversinhas boas de pátio até o sinal bater por se recusar a chegar antes do tempo. E foi assim na faculdade, onde, em sentido inverso, perdia as conversinhas boas na cantina por se recusar a entrar em sala depois do horário. Quando começou a trabalhar, só não teve logo no primeiro mês seu rostinho desmilinguido exposto no quadro de funcionários de destaque pela pontualidade com que batia o ponto na entrada porque, em contrapartida, fazia o mesmo na saída. Ou seja: com ela, nada de serão.

Assim ia até arrumar o primeiro namorado, com quem marcou de se encontrar na porta de casa às 19h57, sabe como é, para testar a pontualidade – e a paixão – do moço. E não é que faltando dois míseros segundos para a hora marcada ouviu a camapanhia tocar? Ela, porém, ainda não estava pronta! Terminou o namoro.

Táscia Souza

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