Category Archives: Hupokhondriakós

(in)Censo

(in)Censo

No apartamento habitavam cinco bocas — a do morador e quatro do fogão —, mais sete panelas e quatro frigideiras, o que implicava muito mais possibilidade de cocção do que estômago e muito mais utensílios para levar ao fogo do que espaço para cozer.

Ou vontade de fazê-lo.

Quando chegava do trabalho, panelas e frigideiras permaneciam no paneleiro e a trempe preferida — todo mundo tem a sua; a dele era a da frente à direita, ao lado da pia — era acesa apenas para fazer o mesmo pelo aromatizador de ambiente com cheiro de canela que prometia inibir o apetite e a vontade de comer por impulso.

Cansado como estava, impulso ele não teria mesmo, mas pelo menos o fogão, a não ser pelas cinzas, permanecia limpo.

Táscia Souza

Saquinho de pipoca

Saquinho de pipoca

Na porta do cinema, sentado na escada de algum lugar, andando durante uma conversa ou depois do expediente a caminho de casa, adorava comprar um saquinho de pipoca.

Veio a pandemia e passou a comer pipoca em casa. Inventou temperos, testou prontos (blarg!), ficou no salzinho básico e na manteiga no mais das vezes. Filme, geralmente filme. Ou série, era o que se fazia na pandemia. Tentou comer pipoca em conversas de vídeo, mas o barulho parecia maior do que o esperado.

Aos poucos, voltou ao trabalho presencial. Recusou por meses os convites para um café ou uma cerveja, tinha receio de tirar a máscara na rua. Os números foram melhorando, a onda de contágio baixando e um dia ele resolveu: vou comprar um saquinho de pipoca!

Tinham jogado o saquinho numa sacola plástica.

Gustavo Burla