Na parede da minha casa tem um quadro de um menino tomando chuva. Cá fora está uma seca danada, e um frio danado, mas lá dentro ele veste bermuda, camiseta, e pula descalço sobre a poça d’água, sob a chuva. “Vai constipar, menino!”, às vezes penso, embora saiba que chuva não constipa ninguém, nem por baixo, nem por cima. “O que faz gripar é vírus, não chuva”, diz o médico. “O vento vira é no bucho, não no tempo”, atesta a benzedeira. Ainda assim, temo pelo menino na friagem dos caquinhos de azulejos azuis e brancos de que é feita a chuva. Temo por ele lá, na paralisia do quadro onde não há vírus que ventam, nem há ventos que viram, mas também jamais faz sol.
Ela já havia achado seu lugar bem no fundo quando eles entraram, pouco antes de a porta se fechar. Elevador cheio, 30 andares, ela espremida num canto de trás. E o casal, no meio da briga.
— Quer saber? É melhor mesmo você ir.
— Eu vou mesmo.
— Vai mesmo!
— Se você quer assim, vou mesmo. Mas não precisa me esperar de volta mesmo não.
— Você está mesmo me ameaçando?
— Não é uma ameaça. Mas se você pensa que vou voltar com o rabo entre as pernas depois de você me mandar ir, você não me conhece mesmo.
A repetição da palavra mesmo era diretamente proporcional ao crescimento da raiva. A cada andar, os passageiros do cubículo de aço inoxidável murmuravam um pedido de licença aos dois (que nem se abalavam), antes de descerem, constrangidos.
No 23°, só tinham sobrado ela, despercebida, e eles, acalorados. No 25°, quando o número se acendeu e as portas se abriram ao comando eletrônico que ela mesmo acionara ao apertar o botão ainda no térreo, baixou a cabeça para fingir que não era o seu e permanecer ali, para terminar de ouvir aonde chegaria mesmo aquela briga.
— Você vai mesmo virar as costas e sair assim?
No susto, ela só teve tempo de levantar os olhos e encarar as costas do segundo deles no corredor, enquanto as portas se fechavam.
Subiu mais cinco andares, atônita. E depois desceu 30, inconformada. E tornou a subi-los, inconsolável. Uma terceira margem no elevador, indo e vindo pelo edifício, à espera de que o casal voltasse, junto, para só então, aos olhos e ouvidos dela, terminar mesmo de se separar.
Minha cabeça parece uma lousa branca. Uma lousa branca mal apagada, daquelas em que é possível ver manchas de pincéis Pilot coloridos num borrão que não tem mais cor e contornos de palavras que estiveram ali, mas já não estão.