Category Archives: Segunda opinião

Hospital

Hospital

A primeira vez que entrou no hospital foi quando nasceu, coisa que sua memória não tinha registrado. Depois, passou toda a infância observando aquele prédio bonito que ficava no alto do morro e a juventude acompanhando os parentes que lá iam quando tinham algo de que se queixar: estava presente nas dores nas costas da mãe, levou a irmã em todas as suas crises de enxaqueca e a tia em todos os porres pós-churrasco. Era a acompanhante profissional. 

Lá, enquanto esperava, descobria primeiro quem nasceu e quem morreu, ouvia as histórias paralelas dos corredores e as brigas de família que terminavam com algum deles deitado ali, na sala de observação perto dela.

Quando chegou a hora de escolher sua profissão não teve dúvidas: virou escritora. E toda semana sentava-se na recepção para conhecer novas histórias.

Mariana Virgílio

 

Verde que não quero ver-te

Verde que não quero ver-te

Ele sabia.

Não importava o diagnóstico que os pacientes tivessem. Quando completavam 96 horas no CTI, ele sabia os que viveriam e os que morreriam – os que resistiriam e os que partiriam. Era um misto de sinais, mas tudo guiado pela cor do paciente. Quando, após 96 horas, eles ficavam com aquela cor esverdeada, já era. Os médicos podiam tentar de tudo, que nada adiantava. O esverdeado parecia entranhar e nada mais cedia.

Um dia, quando lá chegou uma tia queridíssima, ele tramou um plano para se a cor aparecesse.

Apareceu.

Ele então sacou o estojo de maquiagem que havia surrupiado da irmã, seguiu o tutorial com mais likes que havia achado na web e fez a base facial mais perfeita que conseguiu. Até rosadas as bochechas quase não mais perceptíveis da tia ficaram.

Mas esverdeou.

Gilze Bara
(da série Minicontos e minicrônicas de CTI – ficcionais, reais e confessionais)

Acróstico

Acróstico

Bronco
Ordinário
Laranja
Sinistro
Opróbrio
Nefasto
Abrutalhado
Repugnante
Odioso

Palavras retiradas do dicionário pelo moço arrependido, para nomear aquele que agora considerava inominável. Já não conseguia pronunciá-lo e começou a renegá-lo!! Bradava aos conhecidos que não era “vaca de presépio”. Passara a madrugada à procura de sinônimos. Olhos de insônia, arregalados, medrosos!!! Sentia-se cego também, pois havia percebido que nunca prestara, de fato, a atenção nos sinais que estavam ao seu redor.  Muitos tentaram lhe avisar, mas ele preferiu tapar os ouvidos. Muitos lhe falaram sobre a necessidade de estudar, pesquisar, analisar, comparar, mas ele só pensou que já sabia o bastante. Agora descobria que, se tivesse lido o suficiente anteriormente e conhecesse mais sinônimos, talvez não estivesse mergulhado em meio a

Contrição
Úlcera
Lamentação
Penitência
Arrependimento

Marcos Araújo