Category Archives: Segunda opinião

A batalha

A batalha

Durante anos, Marco se preparou para o grande momento. Treinamentos intensos, noites viradas. A sua resistência física era invejável. A força em seus dedos era capaz de empunhar a mais pesada das espadas.

Ele esticou os braços, se alongando, remoendo as palavras então ditas por seu adversário. Sua mensagem estava clara. Bastava externalizá-la.

Treinamentos tão intensos convergiam para aquele momento.

Apertou “Enter”. 500 palavras escritas.

A mensagem não foi enviada.

O post no qual comentava havia sido apagado do Facebook.

Thiago Luz

Humanos direitos

Humanos direitos

A Classe D estava encucada porque não conhecia os tais direitos humanos. Tinha uma vaga ideia. Sabia que serviam para que todas as pessoas fossem iguais perante à lei. Todavia, não entendia o que isso significava. Eram conceitos vagos para quem estava acostumada a matar um leão por dia, depois voltar para casa e descansar o esqueleto em cama de duro colchão. A Classe D ficava mais confusa ainda, porque, ultimamente, só escutava dizer que direitos humanos eram para proteger bandido. Na busca a fim de desvanecer suas dúvidas, ela foi procurar a ajuda de quem estava mais perto.

Classe D – Olá, Classe C! Tudo bem? Você pode me explicar o que são os direitos humanos?

Classe C – Olha, pelo que sei, é um grupo de gente à toa que adora gritar quando malandro apanha de polícia! Eles fazem muito barulho por nada. Quando a gente diz: “Se tá com pena, então leva pra casa”, eles enfiam o rabinho entre as pernas!

Classe D – Engraçado! Eu achava que eles serviam pra proteger gente que nem a gente!!!!!!

Classe C – Alto lá, meu caro amigo! Gente como a gente não. Só gente como você!

Classe D – Ué, mas você é humano também!!!!!

Classe C – Sim, mas agora já tenho apartamento próprio do Minha Casa Minha Vida. Meu filho entrou na universidade pela cota da escola pública e há muito tempo não preciso de esmola como Bolsa Família! Consegui prosperar e mais pra frente vou fazer minha primeira viagem de avião. Não é demais!?

Classe D – Puxa!!!! Você deve ser invejado. Será que algum dia também consigo?

Classe C – Veja bem, Classe D! Isso não é pro bico de todo mundo! Não pense que sou reacionária. Meu conselho é pra você ficar quietinha no seu canto! Não incomode ninguém e esquece esse troço de direitos humanos. Isso é coisa de baderneiro, viu? É só você aparecer de quatro em quatro anos e ganhar aquele abraço ou um aperto de mão sincero e tudo acaba bem! Não coloque caraminholas na cabeça!

Classe D – Ah tá!!!

Moral da história: antes ele do que eu; quem não chora não mama; em terra de cego quem tem olho é rei; o mundo é dos espertos; Deus não dá asas à cobra; diz com quem você anda que te direi quem você é; quem avisa amigo é; pau que nasce torto morre torto; para quem sabe ler, pingo é letra; Deus dá o frio conforme o cobertor; a corda sempre arrebenta do lado mais fraco; para quem é, bacalhau basta; manda quem pode, obedece quem tem juízo; em boca fechada não entra mosca e, por último, o que os olhos não veem, o coração não sente!

Marcos Araújo

Causa mortis

Causa mortis

Primeiro veio a dor no peito. Sem explicação, sem aviso, uma pressão aguda, dor de faca cortando a fina pele da vida.

Depois veio a falta de ar e a tosse. Nada parecia passar pela sua garganta. Palavras não conseguiam atravessar as fronteiras da traqueia. Ficavam presas em um grito surdo dentro do pulmão.

Resolveu que já era hora de procurar um médico. Depois de muitos exames, veio a conversa desconcertante.

– Você está saudável!

– Como assim, doutor? E tudo isso que eu estou sentido?

O doutor parecia incomodado com a resposta que daria em seguida.

– A medicina tradicional não explica. Seus exames não apresentaram nenhuma alteração.

Saiu da sala sem saber o que fazer. Procurou outros médicos, de várias especialidades, e nenhum deles parecia ter a resposta para seus sintomas.

Até que um dia a dor no coração ficou mais aguda, a falta de ar nos pulmões mais densa, e sua vida se foi.

O legista, que já estava cansado de ver casos como aquele chegando dia após dia para sua avaliação, escreveu entediado no atestado de óbito:

Causa mortis: coração entupido por emoções reprimidas e pulmão sufocado por palavras não ditas.

Elena Duarte