Atropelamento

Atropelamento

Vinha a velha atravessando a rua. Estava na esquina, calculou a distância e a velocidade do carro (não se anda na rua sem Física) e foi. O velho alertou: vai te pegar, ao que a velha sorriu: ele diminui. Diminuiu nada, do jeito que vinha, foi. Pegou a velha no flanco, lançou-a adiante e parou no meio do cruzamento: putaquepariu!!!

Carros parados, buzinas, velho quase enfartando e velha caída no asfalto, bacia, perna e talvez costela arrebentada, mas respirando. O motorista desceu, foi até lá tão rápido quanto a multidão que o cercou e, em meio a buzinas do trânsito parado, berrou: assassino! barbeiro! babaca!

Paramédicos na velha como povo no motorista: pegavam, apertavam, empurravam, colocavam no lugar. Nem por um instante o homem chegou perto da velha (salvo quando a acertou), que, grogue, sentia toques e ataduras de emergência. O velho, figurante, sussurrava minha velha minha velha esperançoso.

E não é que a velha acabou de acordar? Pediu pra ser levantada, não foi. Pediu de novo e não foi. E quando pediu como mulher mãe de família e dona de casa foi, pois só tinha homem ali, o velho e dois paramédicos. Sabe-se lá como, andou até a multidão que já começava a apalpar com mais força o motorista e falou: a culpa é minha, o sinal estava aberto.

Mas ele te atropelou, arriscou um. É, atropelou, mas o sinal dele tava aberto e eu achei que dava. O povo, inerte, dispersou. O motorista, pasmo, agradeceu. A velha, puta, constatou: brasileiro custa tanto a se manifestar que não sabe.

Gustavo Burla

3 Responses