Janela (in)discreta

Janela (in)discreta

Começou quando se mudou para o apartamento novo. Sempre morara em casa, a porta de vidro desvelando o enorme jardim e a rua larga, de modo que o fato de ter uma porta com olho mágico, a poucos passos das portas dos vizinhos de andar, espantou-o. Ao menor ruído no corredor do prédio, corria para olhar: a síndica que chegava abarrotada de sacolas, a vizinha de frente que passava ninando a filha ainda bebê, o vizinho do lado que escolhia o hall vazio para dar uns amassos na mulher.

Com isso, tomou gosto pela coisa. Do olho mágico passou para um binóculo, com o qual podia espiar as janelas dos prédios mais próximos. O sentimento era uma mistura de fetiche – acirrado pela visão da garota do prédio em frente que insistia em mudar de roupa diante das cortinas abertas – com um anseio hitchcockiano de presenciar não sabia bem o quê.

Como não via nada digno de cinema, substituiu o binóculo por uma luneta. Instalou-a, ajustou-a, mirou-a, sorveu-a com os olhos ávidos enquanto apontava o instrumento para janelas mais distantes. Na primeira olhadela, porém, deu de cara – ou melhor, de olho – com outro olho que o encarava pelo vidro de outra luneta, a mesma que, reparando bem, parecia agora mesmo tentar enxergar as curvas de sua própria mulher, nua, que acabara de sair do banho e se secava languidamente com a toalha.

Fechou a janela.

Táscia Souza

One Response

  1. Pode-se perdoar o próprio pecado e ser complacente com o do próximo. Afinal ver é uma dádiva divina, e beleza sempre foi um caloroso espetáculo.
    Em tempos de “click de mouse” a luneta “prelude” a nostalgia.