Imperecível

Imperecível

De repente virara modinha da turma cult: um ingresso/entrada/convite/passe livre para algum espetáculo/evento/acontecimento/performance artístico-cultural em troca de um quilo de alimento não perecível. Não conseguia compreender muito bem de onde tiraram tal relação, mesmo porque arte, até onde sabia, cozia-se com ingredientes facilmente deterioráveis. Ainda assim, no supermercado de sentimentos comestíveis, pôs-se a percorrer as gôndolas em busca do que doar em troca do trabalho de um artista. Difícil compra! Uma folha de entusiasmo perde rapidamente o viço se for colhida cedo ou tarde demais, assim como um naco de fé se enche de caruncho se largado às provações do mundo ou um pote de rebeldia embolora com a idade. O desespero, provedor de jantares escuros, azeda o restante da refeição e mesmo a paixão, tida como o sustento da alma, pode apodrecer (e apodrecê-la) da noite para o dia.

Os atores/músicos/performers/poetas, acostumados mais a versos que a silêncios, podem argumentar, na ânsia por atrair seu público, que um pacote de amor sim!, um pacote de amor pode nutrir eternidades inteiras. Mas isso apenas em ceias de cenas/melodias/shows/palavras; no pão nosso de cada dia sem plateia, porém, há mais frugalidade do que fartura.

Foi só na prateleira mais funda que se deparou com o embrulho de mais de um quilo, de mais quilos do que qualquer artista é capaz de carregar. Esse sim, imune a bichos, a mofos, ao tempo. Talvez arte se cozinhe com saudade.

Táscia Souza

2 Responses

  1. O Herbert Vianna aprovaria o duSantus…
    Cê vê como cada alquimista tem sua receita…eu coloco bem pouquinho de amor (melequento demais) e a solidão (amarga pra uns), considero delícia. Não dá pra ver graça na saudade, sinceramente. Passado é morte. Mas todo artista que fala de liberdade, paz de espírito, desapego, simplicidade, coloca ali os ingredientes que admiro demais.
    Bração procê!