Já pensou vivenciar aquilo que se lê? Com riqueza de detalhes e precisão? Imagina se toda história lida no dia a dia pudesse ser repassada durante o sonho, de maneira intensa, real e vibrante. Para Sônia, isso era a constante.

Desde pequena, sonhava diariamente com o que lia. Da paixão de Jesus Cristo no catecismo às histórias de Monteiro Lobato, passando pela Coleção Vagalume e recaindo sobre os atuais títulos do soft porn, noite após noite, acordava de acordo com as circunstâncias literárias. Ora triste, ora animada; às vezes bolada e aborrecida; em outras tempos, ensanguentada e esmurrada, um ciclo de sentimentos pairava junto da realista sonhadora.

Se ela gostava? Nem um pouco. Quem consegue viver com tanto drama ou comédia? As irrealidades literárias só têm graça por serem inalcançáveis. A pior decepção foi não conseguir beijar Mr. Darcy, pois estavam na era vitoriana. Na febre dos vampiros, só experimentava os enredos de humana, nunca alcançava os momentos de imortalidade.

Uma vez, tentou não ler nada durante o dia. Foi pior. Na noite toda, corria por um mundo de páginas em branco, perseguida pelo som do tsunami de tinta que vinha preencher o nulo.

Sabe como parou com esse infortúnio? Quando virou escritora. Ao se tornar um trabalho, a literatura ocupava toda a duração do dia, permitindo que, à noite, tivesse o sono dos justos e os sonhos dos ordinários, com histórias sem pés nem cabeça e instantes sem conteúdo.

José Eduardo Brum