Volta e meia ouvia e invejava alguém dizer que não ia fazer nada no dia seguinte. Ele pensava como seria isso. Nada mesmo, no sentido absoluto de nada, não tinha jeito, mas pensava no que seria um dia em que não fizesse nada. Estudou muito tempo, anos, até descobrir um caminho. Chegado o dia, resolveu fazer nada.
Acordou tarde, para evitar ter muito trabalho. Acordar tarde deu algum trabalho, teve que beber na véspera além da conta, praticar esporte mais que o habitual, dançar numa festa e forçar para ler antes de dormir. Acordou tarde. Levantou, tomou café (tinha fome, era questão de vida ou morte) e sentou diante da televisão. Não escovou os dentes.
Lutou diante da televisão para não deixar a mente divagar em coisas para fazer, afinal, fazer nada implicava em pensar em nada. Pensou branco, era o que poderia fazer, e lutou por isso enquanto olhava seu reflexo na tela da TV, desligada. Resistiu o quanto pôde ali, entre o tédio e o sono, na luta pelo nada.
Comeu quando teve fome, comeu o que tinha pronto, não queria fazer nada. Sentou contemplando a rua e pensando nas pessoasNÃO! Pensando em nada! Nada! Nada. Ufa, pensando em nada… Quando o sol se pôs sentiu que o dia estava perdido, e não sentiu raiva por isso, porque já tinha sentido uma vez e sentir raiva seria sentir duas vezes, e não poderia sentir. Era o dia do nada.
Comeu mais alguma coisa, e foi deitar, tentando mais não sentir do que não pensar, mas não conseguiu: putaquepariu! Não fiz nada hoje! Mandou tomar no cu todos os que diziam que não fariam nada e foi escovar os dentes.
Gustavo Burla
Mas tem ciência pra coisa…
Ai que prazer
não cumprir um dever.
Ter um livro para ler
e não o fazer!
Ler é maçada,
estudar é nada.
O sol doira sem literatura.
O rio corre bem ou mal,
sem edição original.
E a brisa, essa, de tão naturalmente matinal
como tem tempo, não tem pressa…
É preciso inventar um monte de obrigações e daí…não cumpri-las!
Pronto. Nadismo com sucesso.
Bração procê!
Voltei. É que nadismo é tudismo que me importa.
O outro é um trecho de Liberdade, do Pessoa.
Esse é do Torga:
Fábula da fábula
Era uma vez
Uma fábula famosa,
Alimentícia
E moralizadora,
Que, em verso e prosa,
Toda gente
Inteligente,
Prudente
E sabedora
Repetia
Aos filhos,
Aos netos
E aos bisnetos.
À base duns insectos,
De que não vale a pena fixar o nome,
A fábula garantia
Que quem cantava
Morria
De fome.
E realmente…
Simplesmente,
Enquanto a fábula contava,
Um demônio secreto segredava
Ao ouvido secreto
De cada criatura
Que quem não cantava
Morria de fartura.
Viva a Preguiça!!
Bração final, isso de comentar já tá me dando muito trabalho.
Grande André! Estávamos sentindo falta de você e de seus comentários. De você ainda estamos! =)