Fardo

Fardo

O sinal estava fechado quando, através da janela do carro, percebi a pequena figura em uniforme escolar que vinha cambaleando pela calçada. Passo após passo, as pernas da menininha oscilavam sob o peso de uma sacola de tecido desproporcional ao seu tamanho. Pendurada no ombro esquerdo, a bolsa dava ao andar da pequena um aspecto desengonçado que apenas a pouca idade era capaz de tornar adorável. Logo atrás a mãe vinha carregando a mochila e a lancheira, atenta a cada movimento da filha.

A insistência em carregar a sacola que se arrastava pelo chão, em contraponto com o aparente desapego que a criança destinava ao restante do material escolar, demonstrava que ali dentro guardava-se algo especial. Um segredo ou um pequeno tesouro. Curiosa, apertei os olhos e tentei desvendar as palavras bordadas no tecido azul: “Sacola literária”.

Livros, era esse o tesouro que tombava o corpo da menina. Com um movimento involuntário, virei o pescoço e encarei o meu próprio ombro, constantemente dolorido. Percebi no andar da pequena o mesmo andar coxo que eu mesma traçava pela vida. Ora a perna esquerda, ora a direita, sempre se torcendo sob a carga de palavras que eu colhia pelo caminho. Séculos de literatura pesando o corpo.

Mas como aquela criança de andar torto e ainda assim determinado, eu me agarrava à bagagem, cada dia mais pesada, com desejo insaciável. Nos passos vacilantes o prazer de uma nova letra adquirida.

Raíssa Varandas

One Response

  1. Que lindo! Quantas identificações vivenciamos pelos caminhos da vida e nem nos damos conta. O outro é sempre nosso melhor espelho.