Category Archives: Mariana Virgílio

Se tirar o que define sobra o coração.

Depois do carnaval

Depois do carnaval

No meio de março, tinha estabelecido as listas de seus programas para “quando o carnaval acabar”. E quanto esse acabou, nem deu tempo de toda a ressaca sair do corpo e leu bem grande a nova ordem mundial: quarentena. 

Desmarcou os encontros a que nem queria ir.

Desmarcou os que queria.

Desmarcou as consultas médicas. 

Como sendo hipocondríaca fez da casa o local mais seguro e também o melhor ambiente de trabalho. 

Ao ligar a TV, não só o vírus matava. O coração de um músico e o de um escritor também decidiram parar de bater. 

Nem remédios, nem cafés, nem cachaças. Naqueles dias só atendia músicas e poesias. Precisava criar imunidade: esperança.

Mariana Virgílio

Diagnóstico: infância

Diagnóstico: infância

No verão ela e a irmã tinham a brincadeira preferida: piscina. Mas dentro da piscina tinha algo especial, elas eram sereias. Como era a mais nova, a irmã mais velha se encarregava de montar o plano. Eram sereias que precisavam desbravar o fundo mar. Tinham grandes desafios, descobriam grandes mistérios. Porém, como era a mais nova, a irmã pedia que ficasse na porta da caverna, cuidando da entrada, enquanto ela desbravava o local. Graça nenhuma ficar parada na ponta da caverna. Chorando, gritava a mãe:

– Manhêêêêêê, ela não quer me deixar entrar na caverna.

A mãe olhava a piscina de plástico rasa, com as duas irmãs que quase se encostavam. Sem caverna. Sem fundo do mar.

– Que que isso? Que besteira, chorando por algo que nem existe.

Não adiantava insistir. A mãe não entendia, já havia se curado da doença chamada infância.

Mariana Virgílio

 

Hospital

Hospital

A primeira vez que entrou no hospital foi quando nasceu, coisa que sua memória não tinha registrado. Depois, passou toda a infância observando aquele prédio bonito que ficava no alto do morro e a juventude acompanhando os parentes que lá iam quando tinham algo de que se queixar: estava presente nas dores nas costas da mãe, levou a irmã em todas as suas crises de enxaqueca e a tia em todos os porres pós-churrasco. Era a acompanhante profissional. 

Lá, enquanto esperava, descobria primeiro quem nasceu e quem morreu, ouvia as histórias paralelas dos corredores e as brigas de família que terminavam com algum deles deitado ali, na sala de observação perto dela.

Quando chegou a hora de escolher sua profissão não teve dúvidas: virou escritora. E toda semana sentava-se na recepção para conhecer novas histórias.

Mariana Virgílio