Category Archives: Segunda opinião

“Sob o lodo há mais gente que suspira”

“Sob o lodo há mais gente que suspira”

Nas bordas do buraco escuro que é a minha garganta, acumula-se a lama que meu fígado expeliu. Viscosa, ela engrossa minha saliva. Minha língua se contraí em uma tentativa inútil de engolir a mistura pastosa e escura que, grudada nas amídalas, aos poucos me sufoca. Bebo um gole d’água. A lama raleia, se espalha pelo restante da boca, gruda nos dentes e volta a engrossar. Tento cuspi-la, mas minha língua prega-se ao céu da boca e é só com grande esforço que eu separo meus lábios quase colados.

Sorte, quase sorte. Se conseguisse cuspir, todos finalmente veriam as substâncias repulsivas que produzo por dentro. Se conseguisse ingerir, aos poucos a lama entupiria minha faringe, esôfago, estômago e intestinos. Eu me tornaria pesada e meus pés afundariam, não no barro, não em um pântano, mas no asfalto duro da cidade que começa a me devorar.

Fico, portanto, com a lama a meio caminho, nem fora, nem dentro. Na boca. De início o gosto é amargo, repulsivo. Com o contato prolongado, porém, as papilas gustativas se acostumam ao gosto acre e, arrisco a dizer, chegam até mesmo a saboreá-lo. Amargo e amado o gosto da derrota.

Raíssa Varandas

Cuervo

Cuervo

– Cara, por que você não bebe?

– Não gosto.

– Mas você já provou?

– Sim, quase tudo. Não gosto do sabor mesmo de coisas que têm álcool.

– Ah, é só você beber com frequência que acostuma.

– Se você começar a dar o cu também se acostuma.

– Sim, por isso comecei há cinco anos.

O silêncio foi o que restou na mesa do bar…

Daniel Furlan

Black Mirror

Black Mirror

Quando acordo, nas primeiras horas do amanhecer, é a primeira coisa com a qual tenho contato. No momento de me deitar, na madrugada, é a última coisa que vejo antes de me desligar por um breve momento.

Durante o dia, temos contato direto. Frequentemente, sou incomodado por ele. Não há um momento da rotina no qual não temos contato. Sempre me lembrando de compromissos, sempre me tirando do ócio criativo.

A minha produtividade não é a mesma sem ele, mas também não consigo me concentrar em mais nada.

Eles já foram mais úteis, quando dependíamos menos deles. Quando só serviam para uma ligação ou SMS.

Agora não. Agora, nos consomem o dia inteiro, e estão muito menos resistentes.

Nos utilizam para espalhar ódio, fofoca, discórdia e para dar satisfação para Deus e o mundo.

De fato, eles já foram melhores, e nossa relação já foi mais saudável.

De fato, não fazem mais humanos como antigamente…

Thiago Luz