Negam e negam Negam o formato da terra A realidade comprovada negam Negam a mim e a você Negam os corpos as vozes a cor a vida eles negam
Eles negam e não querem saber Negam a ruptura Negam a arte A dança Negam até o que é a poesia pura
Eles negam estrategicamente Negam planejadamente desavergonhadamente Negam o diferente simplesmente porque não sabem nem querem reconhecer que se ressentem
Eles negam porque vivem de ódio, E são cafonas enquanto negam e tapam os ouvidos enquanto gritam Eles negam e mais uma vez negam sendo convincentes porque não querem reconhecer a verdade inconveniente
Cegamente eles negam e agem ferozmente aprisionados como estão nas próprias mentes
Tomou uma taça de vinho antes de deitar. Pensou que o álcool iria ajudá-lo a dormir fácil. Ledo engano! Há dias que seu sono era parco. Sua cabeça estava um turbilhão de pensamentos. A maioria deles atravessava sua mente por causa do trabalho na firma de contabilidade. Os problemas se multiplicavam feito números e seus colegas de serviço haviam se tornado pessoas tristes, que tinham abandonado seus sonhos antigos sem colocar outros no lugar. Faltavam-lhes ideais.
Mas com ele não seria assim. Ele brigava. Ele bradava, internamente, para não sucumbir. Tinha que haver um motivo maior, uma causa a acreditar, um desejo a se concretizar. Por isso ficava aceso, enquanto as horas atropelavam a madrugada.
Depois de mais uma noite mal dormida, levantou-se, trocou de roupa como se aquele fosse mais um dia. Pela fresta da janela, o sol entrava manso. Tomou uma xícara de café preto com três gotas de adoçante. Pegou as chaves, abriu a porta, mas não conseguiu sair. Algo segurava seus pés, que não conseguiam ultrapassar o limite entre a porta e o corredor. A cada tentativa de sair, mais pressão ele sentia. Como se alguém muito forte o estivesse agarrando por trás. Ficou assustado. O que era aquilo, meu Deus? Que sensação era aquela? Seria um espírito maligno, pensou.
Haveria presenças sobrenaturais naquele apartamento que se manifestavam, justamente, naquela hora. No dia em que decidira dar um basta e mandar, às favas, aquela vida ordinária. Ele estava parado na porta, imóvel, querendo sair, mas não conseguia. De repente, a porta do vizinho, de frente da sua, se abriu. E o homem que ele mal conhecia também ficou agarrado na saída. O outro morador tentou romper a força que o segurava também, mas as tentativas foram em vão. O vizinho começou a gritar, e era possível ouvir gritos dos outros apartamentos. A ficha dele então caiu: o mundo inteiro estava preso dentro de casa. Ele entrou num surto.
Ficaria para sempre encerrado ali? E a sua caminhada na beira do rio, que tanto gostava? E o sorriso da moça do escritório ao lado do seu? O cheiro da pipoca da carrocinha da esquina? O teatro a que gostava de ir no fim de semana? A gelada com os amigos de vez em quando? O almoço de domingo com os pais? E se nada disso mais existir? E se a vida não voltar ao que antes era? E se ele não puder respirar? E se? Se?… Ele acorda num sobressalto. Estava encharcado de suor. Olha em volta. Era seu quarto. Seu coração desacelera. Ele fica aliviado e volta a ter esperança de que tudo vai passar. É apenas uma questão de tempo para que o mundo recomece e, quem sabe, desta vez, para melhor!
– Pai, estou com fome.
– Lave seu rosto.
– Já tomou o seu café da manhã?
– Pai, me empresta o celular?
– Hoje, quero ver um filme de comédia!
– Já está na hora da aula on-line?
– Ainda não.
– E o dever de casa?
– Você me ajuda?
– Pai, estou com fome.
– Já arrumou sua cama?
– Vem almoçar.
– Pai, me empresta o celular?
– Só depois que escovar os dentes.
– Pai, quero falar com a vovó.
– Pai, estou com fome.
– Mas você acabou de almoçar!
– Pai, me empresta o celular?
– Liga o computador. Já está na hora da aula.
– Pai, brinca comigo?
– Vamos jogar adedanha?
– A-de-da-nha!!!!!!!
– F
– Fiona
– Flora
– Florianópolis
– Finlândia
– Ferrari
– Fusquinha
– Figo
– Framboesa
– “Faça a coisa certa”
– “Fala sério, mãe!”
– Foca
– Filhote
– Isso não vale!
– Pai, estou com fome.
– Não gosto de café com leite!
– Pai, vamos brincar?
– De novo? Deixa para amanhã!
– Pai, me empresta o celular?
– Descarregou.
– Pai, enche o pneu da minha bicicleta
– Amanhã.
– Pai, estou com fome.
– Já?
– Não gosto de novela.
– Pai, me empresta o celular?
– Está na hora de dormir.
– Ah, pai!!!
– Posso deixar a luz acesa?
– Pra quê?
– Vou ler um pouco!
– Beijo?
– Smack!!!
-Te amo!
– Também!
– Zzzzzzzz
– Bom dia!
– Pai, estou com fome.