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A última aglomeração

A última aglomeração

Na impossibilidade de receber os amigos com os quais costumeiramente compartilhava festas, resolveu se reencontrar com aqueles que haviam ficado perdidos no tempo. Estava ali o garotinho sardento de nome Emanuel, ainda com a mesma cara de criança travessa, sempre responsável pelas artes que a mãe descobria. E estava a bonita menina Luísa, em cujo rostinho de porcelana havia feito um arranhão permanente, pelo qual molhara os babados do vestido dela suplicando desculpas. E estava também o Sr. Medo, que o pai insistira para que fizesse seu ouvinte, porque, contanto que não a paralisasse, poderia lhe soprar bons conselhos.

Foi ele quem lhe sorriu quando engoliu o último pedaço de ar e se despediu dos companheiros imaginários da infância. 

Táscia Souza

Filhos

Filhos

Um dia vi um filme americano de suspense em que o vilão, depois de fazer tudo o que fazem os vilões de um filme de suspense, morre. Na continuação, um grupo de jovens se vê às voltas com um terror do mesmo tipo e quem é o assassino? O amigo que tem o nome do vilão+filho, algo como vilãoson.

Um dia parei para comprar uma cachaça em Touros e falei que era para o meu pai. O vendedor falou que ia gravar um vídeo para o meu pai e perguntou o nome dele. Disse que era Eduardo e o vendedor falou que era meu irmão, se chamava Edson.

Um dia conheci um rapaz chamado Tinderson…

Gustavo Burla

Feito bala soft

Feito bala soft

Ela é quietinha, diziam. Calada e mansinha assim mesmo, diziam. Diziam: diga alguma coisa dura, menina, palavras não são de morder. Testou o desafio uma vez no ônibus, a caminho da escola. Em vez de triturar letras com os dentes e simplesmente engolir, experimentou chupar uma frase inteirinha, sem mastigar, saboreando sua doçura ácida devarinho. Não se lembra bem se foi um solavanco do ônibus ou não, mas de repente um predicado entalou-se em sua garganta. Não consigo respirar, não disse. Acho que vou morrer, não disse. Não disse: agora mesmo que não consigo dizer mais nada. Só ficou roxa, roxa, chiando de um jeito assustador. A mãe se apavorou. Os outros passageiros também se apavoraram. A mãe desceu do ônibus puxando-a pela mão. Os outros passageiros colaram suas testas no vidro da janela para ver a mãe sacudindo-a e apertando-a e desesperando-se até que fossem um borrão sem ar a distância. Não viram quando o naco de oração desagarrou-se da glote e desceu arranhando, impulsionado por instinto de sobrevivência e saliva. Não ouviram quando o que sobrou na língua foi gosto de suspiro aliviado e silêncio. O roxo aos poucos deixou o rosto e os verbos imperativos demais deixaram de ser sobremesa. Se fosse para ser obrigada a falar a partir de então, que fossem apenas coisinhas macias. 

Táscia Souza