À insídia

À insídia

 

Não saberia explicar o instante exato, mas os últimos acontecimentos de repente lhe restituíram a vontade de escrever. Passara as duas últimas semanas calado, sem o dançar dos dedos sobre o teclado, sem o sangrar da caneta sobre o papel. Sem palavras. Na fazenda, o único som era o vento nas árvores, já que nem os pássaros ou os grilos ousavam respirar perto de si.

 

No entanto, em seu silêncio de terra, o asfalto não se calou. Seu nome era dito em conversas, escrito em jornais, espalhado em mensagens que ele nunca escreveu ou pronunciou. A cidade sempre tivera sons de fúrias, mas nada que se comparasse à daquele momento. A maior delas gritou dentro de sua própria boca, fazendo-o assustar-se e regozijar-se (ah, paradoxos…) com a intensidade indigesta de sua revolta.

 

A abstenção virou desejo de quebrar o ar com os dedos, que batiam as teclas como quem desfaz uma mentira. Uma só palavra ensurdeceu o mundo inteiro.

 

 

Táscia Souza

 

 

Publicado originalmente em http://hipocondria.blog.terra.com.br, 21 de outubro de 2008.

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