Category Archives: Hupokhondriakós

Ovo sem Páscoa

Ovo sem Páscoa

Não era chocolate. O marrom na casca era terra, uma lama espessa que tentara fazer as vezes de confiserie, sem o ser. Estava mais para uma confissão. Alguém roubara o ovo. Ou tentara. O único ovo que ainda havia. E, então, desajeitado alguém, deixara-o se espatifar na poça de barro bem na portinhola do galinheiro. Sobrara a casca ferida. Branquinha e fina e coberta por uma camada castanha e viscosa, como, no verão, ficam fácil essas réplicas vendidas no supermercado envoltas em papel laminado fosco branco e vermelho, guardando o segredo de uma surpresa.

Aquele ex-ovo fora do mesmo tamanho da cópia, mas não guardava mais surpresa. Ou a surpresa, então, era precisamente passar de ovo a casca sem que ninguém visse a passagem da gema a pinto, ou do pinto a galo, ou do galo a um belo de um molho pardo. Ou a surpresa, então, é justamente o então: a conclusão de que não há passagem alguma. Até a de ônibus para correr dali ao supermercado estava pela hora da morte, assim como qualquer ovo, de confiseur ou de galinha granjeira mesmo, que se pudesse buscar lá. 

Páscoa para quem mesmo? 

Táscia Souza

Barulhos na noite

Barulhos na noite

Foi tirado do sono profundo por uma cantada de pneus, incomum naquele bairro. O susto foi tanto que não conseguiu dormir e de tantas voltas na cama desistiu e foi ler.

Em outra noite, uma moto passou berrando e arrancou Morfeu daquele corpo, que tentou resgatar a serenidade deitado, mas desistiu e sentou pra ler.

Gargalhadas de jovens numa madrugada de sábado pareciam dizer que era hora de ler, foi o que fez, sentado na sala.

No silêncio de uma madrugada de segunda-feira, acordou preocupado com a quantidade de livros não lidos e resolveu mudar-se pro centro da cidade.

Gustavo Burla

Droga de aniversário

Droga de aniversário

A farmácia em frente à minha casa fez aniversário esta semana. Uma alegria só! Durante todo o dia, uma barraquinha, um aparelho de som e um megafone anunciavam a celebração e as promoções. Balões vermelhos e brancos, da cor do letreiro, enfeitavam a fachada. No auge da festa, vários deles, cheios de hélio, soltaram-se e subiram pelo ar.

É bonito que o símbolo de uma época doente possa comemorar seu aniversário quando tanta gente não pode mais.

Táscia Souza