Category Archives: Hupokhondriakós

Mesmo andar

Mesmo andar

Ela já havia achado seu lugar bem no fundo quando eles entraram, pouco antes de a porta se fechar. Elevador cheio, 30 andares, ela espremida num canto de trás. E o casal, no meio da briga. 

— Quer saber? É melhor mesmo você ir.

— Eu vou mesmo.

— Vai mesmo!

— Se você quer assim, vou mesmo. Mas não precisa me esperar de volta mesmo não. 

— Você está mesmo me ameaçando?

— Não é uma ameaça. Mas se você pensa que vou voltar com o rabo entre as pernas depois de você me mandar ir, você não me conhece mesmo.

A repetição da palavra mesmo era diretamente proporcional ao crescimento da raiva. A cada andar, os passageiros do cubículo de aço inoxidável murmuravam um pedido de licença aos dois (que nem se abalavam), antes de descerem, constrangidos. 

No 23°, só tinham sobrado ela, despercebida, e eles, acalorados. No 25°, quando o número se acendeu e as portas se abriram ao comando eletrônico que ela mesmo acionara ao apertar o botão ainda no térreo, baixou a cabeça para fingir que não era o seu e permanecer ali, para terminar de ouvir aonde chegaria mesmo aquela briga.

— Você vai mesmo virar as costas e sair assim?

No susto, ela só teve tempo de levantar os olhos e encarar as costas do segundo deles no corredor, enquanto as portas se fechavam.

Subiu mais cinco andares, atônita. E depois desceu 30, inconformada. E tornou a subi-los, inconsolável. Uma terceira margem no elevador, indo e vindo pelo edifício, à espera de que o casal voltasse, junto, para só então, aos olhos e ouvidos dela, terminar mesmo de se separar.

Táscia Souza

De porta em porta

De porta em porta

Quando chegou ao andar, se assustou com o sujeito sentado na porta do apartamento ao lado.

— Perdeu sua chave?

— Tava batendo na porta desde cedo, sentei pra pensar.

— Sabe que não mora ninguém aí?

— Você sabe o quanto pode haver atrás de uma porta? Sabe que bater e esperar envolve muito mais fluxos nervosos do que abrir a própria porta? Quando bate, se ela vai abrir ou não, quem vai te receber e como será incomodam as pessoas há séculos! O humor das pessoas muda. Os espaços mudam! E o mistério atrás da porta desconhecida, você consegue explicar?

— Mas não mora ninguém aí…

— É… Agora é.

O sujeito saiu pelo corredor, um olho escolhendo outra porta e o outro esperando o inconveniente entrar pela dele.

Gustavo Burla

Depois de 1 hora diante do cursor piscando no Word

Depois de 1 hora diante do cursor piscando no Word

Minha cabeça parece uma lousa branca. Uma lousa branca mal apagada, daquelas em que é possível ver manchas de pincéis Pilot coloridos num borrão que não tem mais cor e contornos de palavras que estiveram ali, mas já não estão.

Táscia Souza