Criação

Criação

O escritor observa o pombo. O pombo e a criança. Observo o pombo e a criança pelos olhos do escritor. O parque parece, pelo que me chega, infestado de ambos, como costumam ser os parques. O escritor, felizmente, não é desses que alimentam os pombos. Veste-se como o clichê de um — o terno amarrotado, o chapéu de feltro — e tem até o mesmo andar meio curvado, que usou para chegar ao banco escolhido, porque anos de escrita pesam-lhe os ombros. Mas não é. O saco de papel pardo que tem nas mãos, ao menos, não é de grãos de milho amarelo, mas de canetas Bic azuis, porque ele recém-cismou de escrever à mão. Longe das telas. No parque. Observando a vida. A vida que quer me dar.

Por enquanto tenho traços da menina que brinca de assustar os pombos. Eu deveria andar cambaleante como ela, as pernas ainda um pouco abertas. Deveria tatear o texto do escritor com mãozinhas curiosas. Deveria enxergá-lo com a mesma inocência com que ela olha para ele, ali no banco, e aponta-o, com sílabas trocadas, chamando-o de Papai Noel. Mas, a despeito do estoque de Bics e de esforços, o escritor não consegue me fazer ter os mesmos pensamentos cambaleantes da menina. Nem o ânimo suficiente para, como ela, assustar o pombo que, sem receio, alça voo e caga bem em cima da minha cabeça. O escritor então arranca minha história da caderneta e atira a página emporcalhada na lixeira.

Táscia Souza

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